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No Brasil, uma menina brasileira, de 18 anos me falou: “As pessoas têm medo de mim. Elas pensam que vou roubar elas.” Outra menina, da mesma idade, me explicou “Não existimos para as pessoas que moram fora da favela. Eles nos odeiam. Eles têm medo de nós.”
18 anos e já falar assim, não é muito chocante para você?
Para mim, foi.
Depois disso, eu pensei que estes dois discursos mereciam ser mais pensados. Isso merecia um artigo. Então, hoje, vamos falar sobre os preconceitos na sociedade brasileira.
O que é um preconceito?
Um preconceito corresponde a uma visão espontânea da realidade social. Geralmente, os preconceitos são errados. Eles não têm fundamentos sérios e representam as representações subjetivas do mundo. Existem vários tipos de preconceitos: social, racial, sexual, religioso, etc.
Para dar um exemplo mais concreto, na sociedade brasileira, pensar que um jovem favelado e negro é ladrão ou violento, é um preconceito. Não é a cor do individuo ou o lugar onde ele mora que gera uma pessoa com estas características.
Na França, existem outros tipos de preconceitos. Então, cada cultura tem os seus próprios preconceitos.
E o estereotipo?
O preconceito é diferente do estereotipo. O estereotipo é uma representação compartilhada. Ela pode ser verdadeira, ou não.
Para dar um exemplo mais concreto, existe o estereotipo do francês, com a baguete de pão debaixo de braço, que não toma banho, que é grosso, etc. Isso corresponde a um conjunto de estereótipos relativos ao povo francês. Na sociedade, nós conhecemos os estereótipos sobre os grupos de indivíduos porque os indivíduos os repetem.
Discriminação?
O fato de categorizar de maneira negativa as pessoas pode gerar a discriminação. Então, existem algumas categorias de indivíduos pela quais parece mais complicado falar deles no espaço publico, ou seja, onde existem outras pessoas presentes. No Brasil, é complicado falar de “favela”, por isso, alguns preferem falar de “comunidade”. Porém, como Thayná Rodrigues fala, isso é uma “maquilagem” para deixar a realidade mais bonita.
Por exemplo, devido aos preconceitos, na França, vai ser mais complicado para uma mulher, com origens estrangeiras, idosa, morando num bairro mais pobre encontrar um trabalho, do que um homem, francês, jovem, morando num bairro rico.
O papel das Mídias
Eu chamo a atenção sobre o fato de que nossos preconceitos são influenciados pelas Mídias. Quantos indivíduos conhecem as favelas somente pelas Mídias? Na França, temos o mesmo problema. Existem alguns bairros onde a gente pensa: “melhor não ir”. Por que? Porque, por exemplo, a gente assistiu na televisão a alguns eventos mais violentos relacionados ao que ocorre nestes espaços. Porém, a realidade não é somente essa, não.
Para terminar, vou deixar vocês lerem e pensarem sobre um artigo de Thayná Rodrigues, 18 anos, moradora da favela Cantagalo, no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro. Tive a sorte de conhecer esta menina, cheia de recursos para lutar por um mundo menos injusto.
“Favela é como uma casa muito grande cheia de pessoas que têm histórias de dor, mas que mal sabem o quão são fortes por ainda terem vontade de se reinventarem todos os dias, resistirem e irem à luta.
Desde criança a gente ouve que o favelado faz mal a tudo e a todos… Que o favelado não tem futuro nenhum… Que o favelado não presta… Nunca entendi o porquê dessa ser a caricatura da gente, nem o porquê da sociedade lá de baixo fazer isso com a gente. A gente não é isso não. Sabe como a gente é? Quando falta açúcar, sal ou qualquer outro mantimento dentro de casa, a gente pede ao vizinho do lado e ele dá na maior boa vontade, porque quando ele precisa a gente dá também. E esse mesmo vizinho desce pra trabalhar bem cedo, tira o nosso lixo da porta e leva-o para a caçamba de lixo. E quando alguém está construindo uma casa, essa pessoa recebe muita ajuda pra carregar materiais de construção, e logo depois todo mundo faz vaquinha e tudo acaba em um super churrasco…rs… E quando falta água, a gente pode pedir uma garrafa d’água ao vizinho e ainda ir na sua casa tomar banho e ele pode vir na nossa casa também… Acho que as crianças sabem bem disso: elas vivem brincando e correndo ladeira a dentro e quando passam na porta de alguém, falam: “Oh tia, tem como a senhora me dar um copo d’água, por favor? E a gente dá. E essas mesmas crianças vão à padaria para a senhora. E o moço da padaria às vezes deixa a gente ficar devendo uns centavos quando não temos dinheiro suficiente para comprar pão. E depois a senhora compartilha o pão com as crianças, com os vizinhos, com quem precise…
Eu sou uma menina da favela. E assim como toda menina e todas as pessoas, eu também sonho, vivo e amo. O favelado sonha, vive e ama! Nós também erramos, nos chateamos, ficamos revoltados e tristes com tudo à nossa volta, não porque a gente é do mal, mas porque nós também somos seres humanos e queremos deixar algo bom para as crianças. A gente quer fazer alguma coisa pela favela, mas não temos voz. Acho que o mundo lá embaixo não deve acreditar que existe voz aqui em cima. Que tem gente talentosa, gente que batalha, gente que sonha, gente que ri e chora, gente inteligente, gente que é gente. Mas parece que pra eles a gente não é gente não… é como se fossem dois mundos isolados, onde lá é o melhor porque tem gente com dinheiro, que viaja o mundo todo, que tem roupa bacana e celular de última hora… a gente não tem isso o que eles têm não, a gente tem o que eles preenchem com objetos, coisas e lugares… a gente tem fome de viver. A gente só quer viver e não vamos deixar que ninguém nos diga que a gente não pode sonhar, viver, nem amar.
Do alto da favela do Cantagalo, a gente pode ver os fogos de artifício só olhando pela janela, a gente quase pode tocar o céu, seguir os pássaros e o arco-íris. Do alto da favela a gente enxerga o mundo lá embaixo e sonha que um dia aquele mundo enxergue a gente como gente que é humana. A gente sonha em um dia tudo ser uma coisa só, sem desvalorizar e diminuir ninguém. A gente sonha em ser valorizado e respeitado. A gente sonha em ter voz. Mas a gente não quer só sonhar, a gente quer ter, fazer, realizar… Eu queria muito que as pessoas pudessem conhecer a gente e ver que a gente é legal também, que a gente tem muito o que falar, que a gente quer ser ouvido e compreendido, que a gente quer ser abraçado e receber coisas boas, seja com palavras ou seja mudando a sua própria opinião a respeito do que a favela e o favelado são, porque a gente merece.”
Favela tem história. Uma longa e batalhadora história. E eu ainda espero escrever pra você, Flora, relatando o dia em que esses dois mundos forem um só, com os mesmos direitos, oportunidades e respeito. Eu não terei palavras para descrever o sentimento. Mas espero um dia que pessoas como você “enxerguem a gente”.
