Amar na Favela

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Os problemas da violência nas favelas são mundialmente conhecidos e colocados em pauta, particularmente desde o acontecimento da copa mundial de futebol em 2014 e a chegada dos jogos olímpicos em 2016. A abordagem midiática difusa muitas vezes atua como um atalho, fazendo uma associação entre os favelados com indivíduos violentos e marginais, e falando muito pouco da vida social deles. Na verdade, quando as Mídias tratam das favelas, na maioria das vezes, elas falam de atos violentos, de bailes funks, de tráfico de drogas, etc.

A fim de contradizer esta abordagem, eu fiz minha dissertação de mestrado sobre as relações amorosas dos jovens (de 18 até 25 anos) numa favela do Rio de Janeiro. Thayna, moradora da favela Cantagalo, fala “Sim, os moradores da favela amam”. Os sentimentos não dependem do lugar de moradia, mas do indivíduo”.

favelaPara este trabalho, fiz uma pesquisa com observação participante, de janeiro até novembro 2015, na favela Cantagalo no Rio de Janeiro. Esta favela se encontra ao lado da praia e do bairro de Ipanema. Escolhi entrar nessa favela porque possuia um amigo carioca que conhecia uma mulher, também moradora dessa mesma favela. Depois disso, decidi ser voluntaria em uma das associações que existem lá. Era tradutora, fotografa, cuidadora de crianças, etc. Ser voluntaria me permitiu conhecer cada vez mais pessoas e compreender melhor o funcionamento da favela. Também, comecei a praticar aulas de capoeira a fim de estar mais perto dos jovens, para minha pesquisa. Eles sabiam que eu estudava os jovens. Porém, não sabiam exatamente qual era o tema da minha pesquisa. Eu decidi não falar para que os jovens fossem mais naturais comigo. Não queria uma “boa resposta”, queria uma resposta verdadeira.

Na sociologia, existem várias metodologias. Como você entendeu, a minha metodologia, não era fazer perguntas, escutar e escrever as respostas frente à pessoa. A minha metodologia era estar com os jovens, conviver com eles e entender como é a realidade para eles. Por isso, falamos de “observação participante”.

Quando falei da minha pesquisa com as pessoas que não conhecem as favelas, sempre eles tinham a mesma reação: ” Meu deus, acho que você vai ficar assustada! ”.

Não fiquei assustada, não. Ou sim, se falamos dos preconceitos que existem sobre esta categoria da população. Depois, entendi o que acontecia…  Quando as pessoas fora da favela falam desse mundo, eles pensam sobre o que eles conhecem, geralmente pelas Mídias. Então, muitas vezes, os indivíduos fazem uma relação entre favelados, baile funk e violência.

Bom… Vamos para frente. Imagino que você quer saber o que escrevi nessas 145 páginas, não é?! Esse trabalho depende da minha faculdade francesa. Então, está em francês. Porém, vou explicar rapidamente o que escrevi e demonstrei.

 

A problemática geral desse trabalho é: “Qual é a especificidade das relações amorosas, dos jovens de 18 até 25 anos, na favela Cantagalo, no Rio de Janeiro? ”

Minha pesquisa se divide em três capítulos.

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No primeiro capítulo, escrevo um panorama geral sobre as relações amorosas. Elas se compõem em quatro etapas distintas (sedução, ficar, namorar, separação) sabendo que cada etapa não dá necessariamente continuidade à etapa seguinte. Na França, não existe o tipo de relação “ficar” e “namorar”. O processo amoroso é diferente. Por isso, descrevi as características e as normas sociais relativas a esta etapa amorosa. Durante a carreira amorosa, os atores sociais não são somente dois. Nesse processo relativamente determinante na vida dos jovens, a sociedade é mobilizada. Os amigos, a familia, a religião, as Mídias, a escola, são diferentes instâncias de socialização que têm influência nas relações amorosas. Além disso, nesse capitulo, tentei explicar que o amor tem mais consequências na nossa vida que a gente pode imaginar. Sempre, falamos do trabalho como coração da sociedade. Porém, deveríamos pensar também no amor como coração. Esses tipos de relações têm consequências econômicas, familiares, etc. Também, falei do conceito de “homogamia social”, ou seja, o fato de se casar com uma pessoa da mesma categoria social. Em poucos casais tem um favelado e um não-favelado. O filme “Era uma vez” que aconteceu em Cantagalo ilustra bem esta realidade.

Meu segundo capítulo trata da etapa ficar, como uma relação escondida na favela. Por que? Por várias razões. De um lado, porque na favela, a maioria das pessoas se conhecem. O interconhecimento é importante. E, por causa da construção arquitetural, fica muito fácil ver se dois jovens estão ficando. Então, a fofoca vai divulgar uma informação de maneira muito rápida. A familia controla socialmente as áreas e socialização dos jovens. Por exemplo, se a familia não gosta do menino com quem a filha está ficando, a familia pode não deixar os jovens se encontrarem. Por isso, os jovens de Cantagalo preferem “ficar” fora da favela. De outro lado, existem alguns traficantes de droga. Eles têm um poder na favela e gostam de ficar, não somente com uma menina, mas com várias. E, se um jovem que não está envolvido com o tráfico de droga paquera uma das meninas de um traficante, pode receber sanções dramáticas. Então, antes de ficar com uma menina, ele tem que saber quem é esta menina. Por esta razão, na favela, nunca um brasileiro tentou me paquerar sem saber exatamente minha situação matrimonial. Para escapar deste controle social que existe na favela, os jovens se encontram fora dela (como falei antes) ou se encontram no espaço virtual (com WhatsApp, por exemplo).

No terceiro capitulo, explico que quando os sentimentos amorosos intervêm na relação, os jovens adotam um comportamento amoroso demonstrativo, no espaço real e virtual, através de declarações, por exemplo. Expliquei que este comportamento é um tipo de romantismo. Muitas vezes, as pessoas não associam as noções de “romantismo” com a palavra “favela”. Demostrei que não existem diferenças relativas a este assunto. O comportamento amoroso demonstrativo existe por dentro e por fora da favela.

 

Termino este “livro” agradecendo os jovens e 3 outras pessoas que me ajudaram muito. Prefiro não citar os nomes deles. De qualquer forma, eles sabem de que estou falando deles! Eles mudaram minha vida.

 

Não sei o que você acha. Mas, eu penso que chegou o momento de ver a favela não somente a partir do lado da violência.

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Esta pesquisa deixou marcas inesquecíveis. Obrigada.

 

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Sobre Léa Mougeolle

Me chamo Léa Mougeolle e sou uma socióloga francesa que adora escrever e estudar sobre o Brasil. Me graduei na universidade de Bordeaux e finalizei meu mestrado em Paris, na universidade La Sorbonne Nouvelle. É um prazer poder compartilhar conhecimento com você!